Prever o
inverno se valendo apenas da observação dos fenômenos da natureza é uma proeza.
Essa tem sido a marca de profetas e profetisas da chuva de Quixadá, distante
170 km de Fortaleza. Em meio à seca que castiga o Ceará já há cinco anos
seguidos, eles desafiam a ciência para descobrir se vai ou não chover apenas
pelo crescimento de determinada planta até a forma como o vento chega no início
da noite. No último sábado (14), alguns dos mais antigos profetas fizeram um
balanço de suas previsões e falaram da expectativa do próximo encontro, marcado
para acontecer no início do ano que vem.
A reunião foi
organizada pela equipe que realiza a nona edição do Encanta Quixadá, evento que
se encerrou sábado. Os profetas se reuniram no início da manhã em um café
servido a amigos e estudiosos da cultura popular. Empolgados, eles falavam das
previsões que já haviam feito em anos anteriores. "Esse pessoal da tecnologia
só faz previsão para dizer se vai encher açude. Mas a gente faz previsão para
dizer se vai ter pasto, se vai dar feijão, se vai encher os açude
particular", explica Josué Viana, 67, e participante do encontro há 12
anos. Ele rebate o posicionamento de cientistas de que o inverno foi ruim.
"O inverno não foi ruim de todo, não. Deu pra aproveitar alguma
coisa", pontuou.
Em 2017 o
evento dos profetas da chuva chega a sua 21ª edição. Nos últimos anos, não
houve um consenso entre os profetas sobre os invernos que se seguiram. Muitos
opinaram que o inverno seria bom, e acabaram tendo que aceitar em meio ao mato
seco e a reservatórios em volume morto, que as previsões que fizeram não
condiziam com a realidade. Ainda também é cedo para tentar dar a certeza de algo.
Mas para alguns, já há o que se comemorar. "Vamos ter um inverno bom para
o ano", é o que afirma Maria de Lourdes Lemos, 79. Ela garante ser a única
mulher entre os profetas cearenses e diz que 2017, será um ano de terra
molhada. Mas ela pondera: "Isso é apenas uma previsão, meu filho. Muita
coisa pode mudar. Meu pai era um analfabeto, mas era muito sábio. Ele dizia que
quando chegasse o tempo em que o homem quisesse saber mais do que Deus, ele
mudava os tempos".
A Fundação
Cearense de Meteorologia (Funceme) só divulga o prognóstico das chuvas do
período de janeiro a maio no início de cada ano mas a chegada do La Niña tem
contribuído para deixar agricultores e a população em geral ainda mais
otimistas. O fenômeno é oposto ao El Niño: ao invés de provocar a seca pode
contribuir para ocasionar chuvas. A Funceme chegou a dizer que ele poderia
atuar em 2017. No entanto, atualmente, as chances são outras: o La Niña pode
não ter o efeito que era esperado.
José Erasmo
Barreira, 69, afirma pesquisar árvores, aves, e até formigas e abelhas. E suas
primeiras observações também lhe obrigam a discordar das previsões do órgão.
“Eu só começo a fazer o trabalho mesmo em dezembro, depois que eu junto tudo.
Mas já vi que o cumaru deu bom este ano, e isso é um sinal de inverno bom. E
outra, meu filho: o Aracati, aquele ventinho da boquinha da noite, ta vindo
mais forte também. Pode apostar que isso é sinal de inverno forte”.
O encontro com
os profetas no último domingo não é foi ainda o martelo batido sobre as
condições das chuvas no inverno de 2017. “A reunião foi feita para ouvir esses
profetas e saber como a gente pode fazer um encontro melhor no ano que vem”,
explica o produtor Adriano Sousa. O campus de Quixadá Instituto Federal do
Ceará (IFCE) vai apoiar continuar apoiando e auxiliando o evento. Este ano o
IFCE também vai auxiliar no processo de inscrição de um dos profetas para
concorrer ao título de Mestre da Cultura, titulação cedida pela Secretaria de
Cultura do Estado (Secult). Caso um dos profetas quixadaenses seja aprovado,
será a primeira vez que um deles integrará o time de representantes de
atividades e iniciativas da cultura cearense devidamente reconhecida.
Diário do Nordeste
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